NANOCONTO

VIDA ÍNTIMA

Não sabia nem fritar um ovo.Não sabia colocar água no copo.
Estava falido.Estava aposentado de não fazer nada.
Não lia porque enxergava pouco.Não ouvia música porque era surdo.
Não se casara.Não tivera filhos.
À noite,quando dormia,sonhava com o oceano e suas profundezas.

AUTOR CONVIDADO

O poema sem título a seguir é de autoria de FRANCIELI SPOHR, escritora gaúcha.

O tempo
como um urânio embrutecido em deserto alheio
(que se fantasia de beijo em lábios de colágeno
e cimento)
sorri muito
com os dentes de dentro
que todos nós perdemos.
Estraga a manteiga da manhã
com a desculpa da vida.

FILOSOFIAS

No livro Microfísica do Poder,Foucalt filosofa a respeito do espaço e de como o poder o constrói,arranja e manipula com o intuito de controlar a sociedade.Desde as antigas masmorras até chegar ao Panopticum,passando pelos hospitais,hospícios e assim por diante,o autor mostra como os detentores do poder utilizam-no para obter garantias de que jamais o deixarão.Tudo o que foge ao estabelecido acaba por ser manietado por meio da organização espacial.Os chamados loucos e todos os que acabam não se adequando ao sistema são vigiados e controlados.A aparente praticidade ou lógica da construção dos locais contém,na verdade,uma intenção perversa:impedir,o máximo possível,a diferença,a originalidade,a livre expressão.
Também um filósofo francês,Bachelard, aborda o tema,mas sob uma outra ótica em Poética do Espaço.Neste caso,encontramos a liberdade do imaginário a construir significados e conteúdos a partir de elementos como a casa,as gavetas,as conchas e assim por diante.Aqui temos a subjetividade como meio de alcançar a imaginação,o sentimento e a criatividade,ou seja, a inventividade.Podemos até ousar dizendo:a poesia como espaço da expressão do humano em seu estar-no-mundo.
É muito bom saber que a Filosofia tem a flexibilidade de nos auxiliar a ver tudo o que nos cerca com maior discernimento e clareza,abrindo assim nossos próprios espaços.

PAISAGEM

O deserto,em mim,
restaura a floresta,
bom do ruim
que renega e atesta.

Árvore e fruto
sem gosto e raiz,
improvável furto
que doa e desdiz.

Restaurada areia
de sede isenta,
coração e veia
que a morte inventa.