segunda-feira, 31 de março de 2014

DESOLAÇÃO

Rego espinhos
com pedras.

Canto cantigas de ninar
para os mortos.

O Inferno
é para os inocentes.

domingo, 30 de março de 2014

PERFIL

Colhi flores
no deserto.

Tive pesadelos
no paraíso.

As mulheres amam
meu corpo,
mas não veem
meus olhos.

sábado, 29 de março de 2014

MATURIDADE

Abandonei
as pesquisas científicas
e os tratados filosóficos.

Agora
só leio
contos de fadas.

sexta-feira, 28 de março de 2014

FIO

Encontrei seus ossos
adormecidos
sob o manto da tristeza.

Realinhei sua coluna,
costurei suas vértebras
e trouxe um novo cobertor.

Você despertou
e pude vislumbrar
o patchwork dos seus olhos.

Cuidadosamente
guardei o fio
na roca de fiar da memória.

quinta-feira, 27 de março de 2014

METAMORFOSES- Final

Entre a descrença de uns e o desespero de outros,Sonam mergulhou no emaranhado daa floresta sem temer,disposto a exterminar o perigo da aldeia para sempre.
Procurando pistas,rastros,algum sinal da besta, foi se distanciando cada vez mais.
Com a demora, uma expectativa começou a crescer entre os moradores do lugar.Alguns tinham certeza de que fugira apavorado,desaparecendo em definitivo do lugar.Já as mulheres entraram num estado de torpor e desolação,acometidas de uma tristeza irreparável.Nada mais poderia consolá-las,neste mundo ou fora dele.Estavam perdidas,atoladas no limbo.Só em pensar que não mais o veriam,preferiam deitar-se e morrer.
Diversos dias se passaram até perceberem o cessamento do problema.Nenhum animal estraçalhado voltou a aparecer.Nenhum homem foi cruelmente assassinado.
Após mais algum tempo,convenceram-se do extermínio do monstro.Só aí se deram conta de que,de algum modo,Sonam de fato conseguira.Estavam salvos.
A não ser as mulheres que foram enlouquecendo uma a uma definitivamente de modo irrecuperável.

quarta-feira, 26 de março de 2014

METAMORFOSES - Parte V

Com uma vaga percepção dos acontecimentos, Sonam estava disposto a entrar em ação.
Diziam que uma besta rondava a aldeia e estava matando os homens,enlouquecendo as mulheres,embora ninguém a tivesse visto de fato.Nenhum indício concreto da existência de tal criatura havia.Apenas as consequências dos ataques .O que era suficiente para horrorizar a todos.
Por um estarrecedor impulso, surpreendendo até a si mesmo, Sonam declarou diante dos mnoradores estar disposta a penetrar a floresta em busca do monstro.Iria matá-lo e exterminar o problema de uma vez por todas,libertando-os e salvando-os daquela assustadora ameaça.
Nenhum homem acreditou. Criticaram-no,falando tratar-se de um caso de pura e simples gabolice.
Mais aflitas ficaram as mulheres,agravando as crises e os espasmos que as consumiam.Tinham receio de perder a visão daquele súbito deus engendrado no desconhecido,fascinadas pela hipnose da sua beleza e da perfeição.Nunca antes haviam contemplado nem nunca depois contemplariam alguém semelhante.Impossível seria superar a existência de tão improvável milagre.
Decidido,Sonam começou os preparativos. Não permitiria nenhuma interferência,nenhum acompanhante.
Resistências não aconteceram.
Sozinho,partiu.

(continua)

terça-feira, 25 de março de 2014

METAMORFOSES - Parte IV

Outro homem foi encontrado morte.Não estava ele nas proximidades da floresta ou em suas atividades costumeiras,mas dentro de casa mesmo,fechado,supostamente protegido.
O fato assustou,se é que era possível,ainda mais os moradores.Não sabiam o que fazer,quais providênbcias tomar,como agir e solucionar o caso.Estavam desorientados,confusos.
No caso específico das mulheres,a perturbação tornara-se ainda maior. Ele enfim passara a ter um nome,Sonam,ele que sempre havia sido ignorado.Pois comum e despercebido já não mais era. Atordoadas ficavam contemplando tamanha diferença,a visível transformação que se operara e parecia ainda prosseguir rumo a uma perfeição cada vez maior.
Estavam mesmerizadas diante de uma beleza que desconhecia qualquer parãmetro.Era como se uma obra-prima estivesse surgindo bem ali diante dos olhos delas.
Frente a um tão inusitado acontencimento,suspiravam,gemiam,jogavam-se no chão e comiam terra.Desesperadas,ansiavam mais e mais por Sonam,o deus que repentinamente se manifestara diante delas e que se superava dia após dia.
Incapazes de compreenderem tal fenômeno, mesclando medo e irresistível atração,estrebuchavam em convulsões.
Nenhum homem percebia a mudança.Apenas elas.
A situação foi se agravando inexoravelmente.
Até que Sonam,encorajado pelo comportamento delas,resolveu agir.

(Continua)

METAMORFOSES - Parte III

Então encontraram,em estado deplorável,o primeiro corpo.Era um homem jovem.Apenas o rosto estava intacto.Chocados ficaram com o ocorrido,aumentando o medo,que se se enraizou mais fundo nos corações e nas mentes.
Não demorou muito para que um segundo e um terceiro surgissem de repente,como que por um milagre ao contrário,ninguém compreendendo quando ou como aconteceram as mortes.
Ficou muito claro que os homens corriam perigo e somente eles.Nenhum mulher sofreu qualquer mínima tentativa de agressão ou ataque. No caso delas,costumavam apenas surtar aqui e ali e,durante as crises,jogavam-se no chão e rasgavam a roupa,contorcendo-se assustadoramente.
Foi em meio a essa confusão que ele foi até a aldeia.E ,de imediato, repararam nele.
Nenhuma mulher deixou de perceber.Perturbadas,olhavam-no com insistência,algumas se imobilizando,pasmas,incapazes de reagir.Não estavam entendendo nada.estavam diante do impossível.Ou nunca haviam olhado direito.Sem coragem de comentar umas com as outras o ocorrido,limitavam-se a olhar,transformadas,quase,em estátua de sal.
Da vez seguinte que o viram por ali,maior foi o espanto.Impossível deixar de perceber.

(Continua)


domingo, 23 de março de 2014

METAMORFOSES - Parte II

Ele prosseguiu seus insossos dias sem nehuma alteração,a não ser o fato de que passara a acordar um pouco mais tarde sentindo-se mesmo assim cansado.
Cuidar dos legumes e verduras e fazer consertos na modesta cabana onde habitava ocupavam-no por inteiro.Sempre se dedicara a realizar as tarefas com grande empenho e zelo.
Finalmente ouviu alguns rumores a respeito dos acontecimentos sem nada entender.Achou aquilo pura invencionice,coisa de desocupados e fofoqueiras.Não tinha tempo a perder com tamanha bobagem.Deixou a aldeia sem nenhum pensamento a respeito de tais conversas descabidas.
Outros dias se passaram e outros animais estraçalhados foram vistos nos arredores.Os homens passaram a evitar a floresta,muitos deles testemunhando estranhos acontecimentos,sombras malignas à espreita,ruídos aterrorizantes,enormes pegadas no chão.
Aumentava a inquietação dia a dia,trazendo assombro e pasmo.Ninguém mais tinha sossego.Ninguém mais ousava sair à noite.
Indiferente ao medo alheio,ele continuava sua vida corriqueira.Agora sentindo-se mais disposto e animado,beirando o entusiasmo, antes desconhecido.Satisfeito com a nova sensação,trabalhava com maior afinco.
Até que uma das mulheres da aldeia necessitando de alguns pés de couve e ervilhas lembrou de se dirigir até onde ele morava na tentativa de efetuar a compra.Foi inequívoco seu ar de espanto ao colocar os olhos nele.

(CONTINUA)

sábado, 22 de março de 2014

METAMORFOSES- Parte I

Ele sempre passara despercebido em toda a aldeia.Homem sem grandes atrativos ou habilidades,vivia sozinho e meio esquecido de todos até o momento em que resolveu entrar na floresta no final da tarde.A partir daí, começaram as alterações que afetaram a todos:animais selvagens seriam encontrados mortos,dilacerados;os homens, a correr perigo; as mulheres,a enlouquecer.
Ele estava com 32 anos.O casebre onde morava não atraía a visita de ninguém,sua evidente falta de beleza tornava-o ignorado,a falta de capacidades que o destacassem condenavam-no a uma existência quase nula.Nenhum serviço seu era solicitado.Mantinha uma conduta discreta plantando hortaliças.Talvez por isso ou por um impulso aparentemente incompreensível,decidiu,num anoitecer,ir até o lago que ficava oculto na floresta para nadar nu.Nunca tivera tal atitude antes.Se indagado,não saberia explicar por qual motivo se dirigira até o local,tirara a roupa e se lançara à água como quem vai suicidar-se,embora,de fato,não se suicidasse.Houvera um entrega no mergulho,um ato impensado ao cometer tamanha ousadia sem intenção alguma de ser ousado ou de transgredir.
Três dias depois,os acontecimentos que abalaram a indolência da aldeia se manifestaram: o pároco ,ao ir visitar um doente que morava mais afastado encontrou um cervo cujas vísceras haviam sido arrancadas,deixando um medonho rastro de sangue pela relva ainda meio congelada pelo frio da manhã.Na mesma noite,ao retornar para o ambiente familiar após um dia de trabalho,um lenhador chegou esbaforido,em pânico,contando ter sido perseguido por uma criatura misteriosa e assustadora oculta pela escuridão.Na madrugada,uma velha viúva acordou aos gritos,tomada pelo pavor decorrente de horrendos pesadelos,deixando-a trêmula horas a fio,causando-lhe,então,insônia perpétua.

(CONTINUA)

sexta-feira, 21 de março de 2014

AMOR

O amor traz
a palavra
em justa medida,
escavar
de ouro e água.
desventrar
de fonte e jazida,
abundância insaciada
regurgitando vida.


domingo, 16 de março de 2014

DELICADEZA

Estranho é o instante
sem palavras,
íntegro
é seu silêncio,
completo
seu acontecimento.

Um sussuro
é mácula,
extrai
o caroço do ãmago,
fere
a polpa do inconsútil.

Também
o coração do vivo
tem suas artes de esculápio.






sábado, 15 de março de 2014

Microconto: MONSTROS

A tarde era fria e desolada.Enrolou-se no cobertor e abriu o romance gótico para ler.Os vizinhos e amigos nunca mais o encontraram.

sexta-feira, 14 de março de 2014

LIVROS RECOMENDADOS

1- MORTE DE ALGUÉM , de Jules Romains;
2-A VIDA :MODO DE USAR,de Georges Perec;
3-A MORTE DO LEÃO, de Henry James;
4-VIAGEM AO FIM DA NOITE; de Louis-Ferdinand Céline;
5-O HOMEM SEM QUALIDADES, de Robert Musil.

A ordem aqui é arbitrária,não tendo nenhuma valoração ou auferindo maior ou menos importância.Todos esses livros são excelentes.

quinta-feira, 13 de março de 2014

MIcroconto: A MORTA

Abrindo os olhos,percebeu que havia morrido.Virou-se de lado e prosseguiu seu sono eterno.

terça-feira, 11 de março de 2014

ESCAVAÇÃO

Encontrei
múmias de faraós
caveiras anônimas
covas inabitáveis

Meus restos mortais
não estavam lá

Cavei mais fundo
até a tumba dos ancestrais

Uma criança dormia
nas entranhas da terra

RESTAURAÇÃO

Carcomidas
foram as palavras,
insaciáveis
em sua desnutrição.

Resgatadas foram
no sumo que escorria
pela boca
dos iletrados.

segunda-feira, 10 de março de 2014

OUSADIA

Acendi
a fogueira para celebrar
com ciganos

A chuva apagou
ritmos e rastros.

Provoquei
o silêncio até
que ele começasse a dançar.

domingo, 9 de março de 2014

DOM

Revele
os seus três desejos
e colocarei
toda a água dos oceanos
na concha
que encontrei
no meu coração deserto.

sábado, 8 de março de 2014

RESGATE


Esquecendo de morrer,
atravessei
a ponte
que desabou
no abismo.

Caminhei
até o outro
lado
resgatando
os corpos
que jaziam
em suas profundezas.

Finda minha tarefa,
beijei a morte
e segui em frente.

sexta-feira, 7 de março de 2014

TORMENTA

Desaba
o mundo a todo instante,
a todo instante ele se refaz,
janela muda
para o infinito
que nele vivifica e jaz.

quarta-feira, 5 de março de 2014

GEOMETRIA DO ASSOMBRO

É espesso o pasmo,
de espessura dum côvado,
grave,sua artrite,
também sua presteza
tecendo urdiduras
de estridente grito
nos átomos do incerto,
no átimo do insulto,
conspiração e sextante
do fluxo do vivo;
é agudo seu volume,
fina a sua forma,
inexato o vértice,
também a curvatura,
transtorno que retoma
o traço do existente
em linha nunca reta,
fractal do infinito.

MORFEU

Tenho o sono tão profundo,
tão sereno e convicto
que o sonho se retira
silente e contrito.
Não há forma em seu reino
de vocabulário restrito,
que assim articula
as categorias do infinito.
Acato sem recusa
seu sutil veredito,
felizmente condenado
a nele estar proscrito.

terça-feira, 4 de março de 2014

RIMBAUD

O vidente
desce ao Inferno
vislumbrando o vivo
em múltiplas formas
resgatando
a alma da poesia
ressurrecta
no âmago
do desconhecido.

SINFONIA

Não sou Mozart e Beethoven.
Sou Mozart e Beethoven.
Minha mente vibra
no acorde gratuito do instante.
Cada pausa condiz
com seu próprio instrumento.
O silêncio ressoa
tão alto que ensurdece.
Ecoa a corda
no recinto íntimo
do agora.

segunda-feira, 3 de março de 2014

MONÇÃO

Não importa
o que trouxe a chuva,
o que ela molhou,
o que foi levado e estendido,
o que foi lavado e torcido,
o que ela trocou.

Só importa
a chuva e seu estro,
seu caminho de dentro,
o que ela trancou.

A gota
no dorso da lesma,
na fúria mesma
que a procriou.

A chuva
e seu rito,
caminho contrito
que o dilúvio emborcou.

A chuva
maestra
que defenestra
o que ela gozou.


sábado, 1 de março de 2014

FLUXO

Reatar a corrente,
desfiá-la,
sentir o que sente
em toda a escala,
viver o vivo,
moer a minúcia,
atear o ativo
em passiva argúcia,
ater-se ao ato,
rumor e rio,
no desacato
de linha sem fio,
atar a arte
de silêncio e rumor:
nada reparte
solsoloflor.