segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

CARONTE

Não aceito subornos.
Cunhei minha própria moeda.
É muito cara a travessia
do Olimpo até o Hades.
Às vezes até os deuses mendigam
um punhado de silêncio.


(Google images)

sábado, 20 de dezembro de 2014

FORMAS

 Nem toda forma
é palavra,
nem todo rascunho
se descarta,
nem todo indício
se confirma,
nem toda marca
se apaga.

A vida trafega
em sussurros e rastros
e inviabiliza
nomes.

Um gesto transmuta
vazios
em corpo de baile.

(Desenho de Cleber Pacheco)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Poema: Floração

Conheci
todas as versões
da morte.
inclusive em outros
idiomas.

Vesti
todas as suas mortalhas,
mas preferi ficar nu.
.

Visitei
todas as tumbas
rendendo homenagens
à engenhosa
estrutura dos ossos.

Recebi
 seu beijo,
mas já  havia reparado
nas flores abandonadas
às intempéries.



(foto de Cleber Pacheco)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Anunciação

O anjo olhou
em meus olhos,
 nada respondi.

Do fundo
da alma vinha
 a natividade do silêncio.

Compreensivo,
o anjo
retirou-se
grávido
de sabedoria.

(Desenho de Cleber Pacheco)


sábado, 13 de dezembro de 2014

BIBLIOTECA

Sherazade e Isak Dinesen trocam histórias
enquanto o Marquês de Sade cochicha com Henry Miller
e Dante desce ao Inferno acompanhado de Malcolm Lowry. 
Proust beberica seu chá espiando o porre homérico de Bukowski.
Virginia Woolf recusa-se a bordar com Jane Austen
enquanto Henry James esmaga baratas na prateleira de Kafka
e D. H. Lawrence flerta com Anais Nin.
Jorge Luis Borges finalmente vê que está na Biblioteca de Babel.


(Google Images)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

MUNDO

Entretecer de trevas
nos vãos
do existente.

Irradiar de luz
nas frestas
do obtuso.

Mescla
de infinitos
modelando
a forma.

(desenho de Cleber Pacheco)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Poema: TRAVESSIA

O Sol calcina
os insetos
que escarafuncham o chão.

A Terra revira
as tripas
no vômito do vivo.

A noite descasca
a Lua
carcomida de crateras.

(Google images)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

FILOSOFANDO

    Os antigos ritos iniciáticos eram um modo de preparar os candidatos a vivenciar uma profunda experiência interior com o devido assessoramento.Todavia a experiência em si mesma só poderia ocorrer individualmente e de modo único.
    A meditação,em suas diversas vertentes,valoriza o despertar da percepção e um alargamento da compreensão a respeito de si mesmo e da existência.
   Com Santa Teresa de Ávila vemos a defesa dessa experiência pessoal e intransferível que é profundamente transformadora,despertando a consciência para novas realidades. Já no século XVI era combatida e vista como herege.A mesma atitude de defesa da busca interior ocorreu com diversos místicos ao longo de tempo.
   Na filosofia de Bergson encontramos um outro viés desse mergulho,mas que mantém o seu caráter de singularidade com "regras" próprias.
   Na literatura, o estilo introspectivo de Clarice Lispector,por exemplo,nos leva a explorar caminhos muito além do estabelecido pelos sistemas vigentes.
      Ou seja, há uma longa tradição desenvolvida através da história que nos prepara ou incentiva a buscar uma compreensão própria da realidade.
    Atualmente é inevitável detectarmos um empobrecimento radical dessa mesma tradição limitando as pessoas ao individualismo solitário e,não raro,egocêntrico,empurrando-as cada vez mais para o isolamento e o consumismo como um falso modo de compensação.Por outro lado,há uma ditadura do coletivo,no sentido de que só tem valor o que o grupo ou a tribo determina como válido.A democracia cada vez mais se parece com fascismo.As religiões cada vez mais se confundem com fundamentalismo.Parece que estamos caminhando para uma nova Idade Média.
   Acredito,porém,que a experiência singular de conhecimento,de mergulho no desconhecido não pode ser desvalorizada e suprimida.O despertar da consciência é uma necessidade humana incontestável e intransferível,inerente a todos nós,queira o sistema ou não.
 

domingo, 7 de dezembro de 2014

CONTO

CONTATOS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU

   A flor luminosa e giratória do ventilador assombra a penumbra do quarto.É um girassol ardendo nas trevas.
   Esvoaçam cortinas e toalha da mesa onde coloco os meus livros.
   Ouve-se apenas o zumbido das pás em seu incessante movimento.
   Estou só,à espera.
   Estendido e nu sobre a cama.
   Não há nenhuma pressa.
   Mansamente ela chega,sem quebrar o silêncio.Larga a bolsa,tira os sapatos..Com suavidade se aproxima.Senta-se ao meu lado.
   Permaneço imóvel,recebendo suas mãos que quase me fazem penetrar no oceano dos sonhos.
   Sem fazer ruído,minhas lágrimas escorrem pelo rosto.
   A madrugada se esgota nesta cumplicidade de silêncios.
   Pela manhã ela calça os sapatos,apanha a bolsa , sai.
   Continuo inerte sobre a cama,cerro as pálpebras.
   Talvez amanhã ela retorne.

sábado, 6 de dezembro de 2014

MIcrocontos

1- Microconto Utópico

Nanotecnologia

Bactérias famintas devoram todas as armas do mundo.


2- Microconto Distópico

Admirável Mundo Velho

 Gaba-se o ditador caduco que é dono do mundo enquanto limpa os pés sujos nos seus capachos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Poema: A Arte de Sidarta Gautama

Ver o real não é vê-lo,
mas tornar-se e sabê-lo,
não haver quem vê nem o visto,
recuo e repouso sem o ausente,
consentir sem quem consente,
mistura sem o misto.

Ver o Real não é tê-lo,
tornar a ver sem revê-lo,
modo sem o aparte,
destoar do disjunto
na intersecção do conjunto,
o Real é a Arte.

(Google Images)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Discrição

Às vezes
silencia
a chama
na obscuridade.

Nem sempre
a luz
é labareda.

(foto de Cleber Pacheco)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Livro Inédito

(Poema do livro ainda inédito ROSARIUM)

Da pétala
o contorno não reduz
a pétala ao íntimo.
No íntimo
a pétala nada é,
é apenas
a possibilidade
da flor ou mais,
seu verossímil.
O mínimo
da flor
não é sua vontade
de existir,
a existência,
mas o impresso
na maquete da retina.

  (Desenho de Cleber Pacheco)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

poema :BELEZA

Tanta morte revestiu
tanta carne e pedra,
tanto sangue jorrou
para fora
das veias,
tanto abismo rompido
em cataclismas,
tanto orgulho revestiu
as peles,
que agora ao desabrochar
das flores,
os olhos se turvam
diante do enigma insondável
da beleza.

 (foto de Cleber Pacheco)