terça-feira, 31 de maio de 2016

O CORAÇÃO DAS TREVAS de Joseph Conrad

    Um pequeno grande livro. O Coração das Trevas de Conrad é uma das melhores obras do autor. Evidentemente Lord Jim tem uma complexidade maior. Mas este romance é um daqueles textos inesquecí-veis, que ficam ecoando pela  mente e pela alma do leitor para sempre.
   Dividido em três partes, todo o texto converge para a viagem rumo ao desconhecido e para o personagem Kurtz, um dos mais assustadores da história da literatura. Personagem enigmático, obscuro e inquietante. Mesmo estando presente apenas na parte final do livro, sua presença ecoa por todo o texto. E a sua ausên-cia só faz aumentar a sua força,como na cena final,uma das melhores já escritas até hoje.
   Abordando a questão do colonialismo, o autor consegue ir ainda além, mostrando uma ambiente sórdido onde a crueldade é "justificada" pela intenção "civilizatória" da Europa. Leia-se, na verdade, o desejo de lucro desenfreado, ganância sem limites. Este desejo desencadeia um comportamento de total violência e desperta o que há de pior no homem. Conrad conta com maestria o mergulho num mundo primitivo e desconhecido: o lado obscuro do ser humano e seus instintos destrutivos, bem como as  consequências das ações movidas pela impiedade. .
   O livro serviu como inspiração para o famoso filme Apocalipse Now de Coppola, uma obra-prima do cinema.
   O Coração das Trevas não pode ser ignorado por qualquer leitor que se interesse realmente pela literatura de qualidade.

domingo, 29 de maio de 2016

ADHIKARI PURUSHA

Sou umbigo cósmico
nascido da luz
no âmago do opaco.

Meu mantra
é silêncio que incendeia
o Sol.

Sou  servo oculto
redimensionando
as coreografias da morte.

Meu silêncio
é mantra que aquece
o coração das pedras.

(imagem: Google)

sábado, 28 de maio de 2016

AUTOR CONVIDADO


Krishnamurti Góes dos Anjos. É baiano de Salvador. Escritor e pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,  Embriagado Intelecto e outros contos e  Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas literárias na Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho -, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional Prêmio Jose de Alencar da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.

                                    INEFÁVEL COAÇÃO


            A masseira estava vazia e Diógenes aguardava o servente trazer a massa para o reboco da parede. Enterrou a colher de pedreiro no resto da massa e sentou-se em uma pilha de blocos. O pensamento começou a divagar. Escorregava de um assunto ao outro e ele buscava concentrar-se somente no quanto faltava para a conclusão do serviço. Entretanto a mente trazia-lhe do inconsciente, rudimentos do passado. Sedimentos de sua vida. A princípio surgiam repentinamente imagens deliciosas... A tranqüilidade da superfície do açude. Espelho refletindo as nuvens. Árvores, bois no pasto, as casas da fazenda, da farinha, os alojamentos. Campos imensos de plantação de café. Escutou também estranhos sons, vozes dos trabalhadores, cantigas, a mãe rezando o Pai nosso, ensinando-o a esperar o que o padre disse que Deus prometera. “Ah é nosso destino filho”. Mas não havia continuidade naquelas lembranças imprecisas. Eram pontos nebulosos, estrelas longínquas brilhando no universo vazio.
            Maluquices que vinham, fugiam, tornavam a voltar. Diógenes tenta arredá-las com cálculos do quanto haveria de ganhar naquela semana. Derivações e associações mentais. Os disparates continuavam a persegui-lo. Lentamente emergiam fantasmas de outro tempo quando ele labutava na colheita do café. A impertinência da memória termina por arrastá-lo para Adelaide.
            Sentiu qualquer coisa palpitar-lhe no coração quando a viu pela primeira vez, e depois, sempre um alvoroço quando tinham que colher café no mesmo campo... os olhares rápidos e esquivos... e quando fizeram amizade, aquele tom da voz dela. Saia brando e até quase meigo, muito meigo. Entenderam-se, apesar da vigilância da gente dela e das advertências da mãe dele. Inflamaram-se, cambiaram acenos, gestos e bilhetes. Marcaram encontros às escondidas. A ansiedade crescente os fez desistir da prudência, a urgência de enlevo terminou por infringir a moral apreendida. E tudo terminou acontecendo: o fogo da paixão mostrou-lhes o lago do instinto consumado.
            Refletindo agora sobre tudo aquilo, era-lhe difícil decifrar o desconchavo daquele passado. Daqueles farrapos de sensações esvaídas que modificara-lhes, em plena adolescência, o curso das existências. Seria isso o tal destino que sua mãe tanto falara? Lembrava-se que Adelaide ficara confusa, irritada, aborrecida. Mal consigo e mal com ele. Tentaram agarrar-se numa esperança frágil. Ela não haveria de engravidar. Foi uma vez só. – tanto se ilude a vontade! – Ela começou a engordar muito em poucos meses, a barriga começou a empinar, crescendo e trazendo junto a ameaça de desabar sobre eles a chuva grossa do escândalo, o aguaceiro das fofocas, motes e dichotes. O casamento às pressas foi o vento que empurrou as nuvens carregadas. Tudo rápido, tão depressa, que quando os pés dela começaram a inchar e o vestido já subia na frente mostrando mais as pernas, eles já se tinham retirado para a terra prometida. A capital. Residência: barraco de favela. Profissões; ele servente de obras. Ela doméstica. Depois o parto. E a imagem dela, magra e pálida dando o peito à menina que nascera, foi a segunda lição imposta pelo ardiloso destino. A primeira lição relacionava-se com esta também pelo berço. Pais e filha nascidos irremediavelmente pobres.
            Aquelas memórias da roça cruzavam-se, confundiam-se com a mais recente da pequena Adelice que já ia nos seus oito anos. A filha, já há dias pedira-lhe uma bicicleta... idéias truncadas. Tumultos de reminiscências. Hoje, debaixo daquele viver asfixiante, incerto, de trabalho sem carteira assinada, já duvidava – porque voltou a lembrar-se de Adelaide – se era mesmo amor aquilo que ele um dia pensou sentir por ela. Era isso a vida do amor?
            Diógenes sentia-se atordoado, desesperado, com vontade de... de... nem sabia o quê. Não encontrava o que fazer. Teria enfim “destino” domado de uma vez o agreste matuto colhedor de café? Na capital, Diógenes como boi de rebanho, ia onde o impelisse o trabalho, de uma obra à outra. Por fora somente um ou outro muxoxo. Sentia impotência e irritação. Como ele gostaria de protestar aos berros, cuspir naquela situação suja e injusta. Mas essas intenções ocultas só se desvendavam naquele instante, por muxoxos, por um imperceptível tremor nas mãos e graves vincos faciais que iam a cada dia desenhando-lhe rugas. Por fora resmungos. Por dentro um turbilhão de revoltas entremeadas de desejos e necessidades, rosnando obscenidades que ninguém percebia.
            No burburinho que lhe enchia o cérebro, a reclamação áspera do mestre de obras avultava e trazia-lhe mais uma vez do passado, as ameaças e os gritos do capataz da fazenda:
            - Este reboco tem que ficar pronto hoje, ô Diógenes! Nessa moleza é que não fica!
            Diógenes levantou-se, mexeu com a colher a massa, e atirou com raiva uma porção dela na parede, para logo a seguir, alisá-la, nivelando a parede muito docemente. É que ele acabara de atinar que talvez, pudesse barganhar o preço de uma bicicleta que vira na feira do rolo. 






sexta-feira, 27 de maio de 2016

A POESIA DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO

   O livro CIPEL 50 ANOS E BIOGRAFIAS comemora os 50 anos do Círculo de Pesquisas Literárias de Porto Alegre.
   Entre os diversos textos publicados, está o meu estudo a respeito da poesia de João Cabral de Melo Neto, que considero um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos.
  Um trecho:
   " Na poesia cabralina, não há o estático,tudo é movimento,um processo,um entre dois,uma oscilação questionadora de conceitos como Essência e identidade.O conhecimento nunca chega a descartar ou abolir o desconhecido.Os conceitos estabelecidos se dispersam apontando para a necessidade da busca de novos critérios,pois mesmo fazendo uso dos diversos recursos filosóficos,epistemológicos,percebe-se que o mundo da cultura,apesar do seu desenvolvimento e pretensa sofisticação, é insuficiente para desfazer a estranheza e o mistério do existir."

quarta-feira, 25 de maio de 2016

VESTÍGIOS

Despisto
velhos  rastros
adentrando
em poços profundos.
Não há pegadas na água,
a arte é outra
nos abismos.

(imagem: Google)

terça-feira, 24 de maio de 2016

CICLO



São extintos
animais,
plantas,
dialetos.,
estrelas.

Abre-se
o vínculo
para a extirpação
dos sentidos.

A vida
 reimpressa
em outra edição.



segunda-feira, 23 de maio de 2016

Microconto: SCI-FI

   Após a fabricação dos jardins de flores sintéticas, iniciaram a produção de borboletas-robô.

(Foto: Google Imagens)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

OS PAPÉIS DE ASPERN de Henry James

   Henry James é um escritor sofisticado e de alto nível literário. Suas histórias são obras-primas de ambiguidade.Seus personagens possuem densidade,profundidade e não raro nos surpreendem. São muitas as qualidades do autor e não poderia ser diferente em seu romance OS PAPÉIS DE ASPERN. 
   Há vários anos sem ter uma edição no Brasil, esta publicação da editora Penalux é um verdadeiro presente para os apreciadores do autor. Com a tradução sempre competente de Chico Lopes, belas ilustrações de Silvana de Quadros e capa dura, o livro agrada aos leitores mais exigentes.
  Num palacete decadente de Veneza,no século XIX, um editor fascinado pela vida e pela obra poética de Jeffrey Aspern tenta obter cartas e poemas que acredita estarem em posse de Miss Bordereau,  musa inspiradora e paixão do poeta que já faleceu há anos. Para obter tal material, o editor é capaz de qualquer coisa. Ele próprio sabe disso,no entanto acabará por ter revelações inesperadas a respeito de suas próprias atitudes.  Pensando ser astuto e estar criando uma armadilha para alcançar seus objetivos, acaba por efetuar descobertas que não ousara imaginar.
   Miss Bordereau mantém sua aura de mistério, às vezes parecendo um esfinge, noutras uma velha harpia gananciosa , decepcionando a visão idealizada que dela se poderia ter.Em contrapartida, sua sobrinha,  manipulada por ela, parece frágil e incapaz de compreender as malícias e maldades do mundo. Aparentemente tola e um tanto ridícula, ela é, talvez, a personagem com mais nuances do texto e é, sem dúvida,uma das grandes criações de Henry James.
    A história mantém o seu suspense até o desconcertante final por meio das sutilezas da narrativa e,sem sombra de dúvida,merece a nossa leitura.
     Livro recomendadíssimo.
   

segunda-feira, 16 de maio de 2016

RUBÁIYÁT de Omar Kháyyám

Sono sobre a terra.
Sono debaixo da terra.
Sobre a terra,debaixo da terra,homens deitados.
O nada em toda parte.
Deserto do nada.
Homens chegam.
Outros partem.

( Versão portuguesa de Octavio Tarquinio de Sousa).

domingo, 15 de maio de 2016

MISTÉRIO

   Adentrar
o mistério
em sua icônica ossatura,
expelir a forma
do que não tem forma,
integrar o assombro
à circunferência do acolhido,
repensar o proscrito
nas imediações do âmago:
Os segredos do vivo
nos canais do perceptivo.
Mistério,
o indomado
na geometria do infinito.

( Imagem de Gobekli Tepe, o primeiro templo construído pelo homem. Onze mil anos).

sexta-feira, 13 de maio de 2016

CAMINHO

 Inúmeros
os caminhos,
estreitos, muitos,
intransitáveis.

Inusitadas
as vias
conduzindo
aos estigmas.

Inúmeros
os estigmas,
fundos, os passos.

( foto: Google imagens).




quarta-feira, 11 de maio de 2016

DEMOCRACIA

   A democracia brasileira está em risco. O futuro é incerto.
   Nuvens negras surgem no horizonte. As perspectivas não são nada animadoras.
   A frase" Um Brasil novo"  é  profundamente hipócrita.
   Nenhuma melhora verdadeira virá. Precedentes foram abertos e a República também está em jogo.
   É um momento delicado para aqueles que pensam de modo independente. A mídia faz uma contínua manipulação de informações. A imprensa estrangeira já percebeu e denunciou isso.
   Intelectuais e artistas se manifestam, inclusive em nível internacional.
   O perigo ronda.
 
   

segunda-feira, 9 de maio de 2016

TALENTO


A morte é caprichosa poeta,
tem seu próprio idioma.
Exige leitores afiados
e críticos atentos.
Tem versos herméticos
e de fina lavra.
Não faz concessões
nem se utiliza de rimas fáceis.
Requer pergaminho
e a arte das iluminuras.
Seus tradutores
tateiam ás cegas,famintos.
É inútil ter pressa
ao decodificar sua escrita.
Exige perícia
de velho alquimista.
E envergadura
de exímio calígrafo.
É mestra em preparar
penas e tintas simpáticas.
A morte engendra
sua própria biblioteca.


(foto; Google imagens).

sábado, 7 de maio de 2016

ARTE

Lá onde o imponderável
se redesenha
em graça,cor e forma,
lá onde o espírito inflama
as carnes do transitório,
lá converte-se em aqui,
no sensorial dos impossíveis.

( Escultura: Camille Claudel

sexta-feira, 6 de maio de 2016

LIVRO

O livro,a fusão
entre
opaco e límpido
no impossível
dos dilemas.

O escrito,o ábaco
do indizível
no proliferar
dos sussurros.

O grito,o expresso
em imprimir de sombras
no vácuo da página.

(foto; Cleber Pacheco)

quarta-feira, 4 de maio de 2016

SOMBRAS

Estendem,
as sombras,
suas garras.

É onívora
a fome dos mortos.

A miséria
exalta
sua mixórdia.

Enegrece
o mundo
em curvas
hiperbólicas.

( foto: Google)

domingo, 1 de maio de 2016

ESCREVER

Escrevo o impossível
nas linhas do inverossímil,
acato o inviável
nas vogais da treva.

Não quero planícies
para encadear frases,
só funduras desencadeiam
as escarpas do verso.

(foto: Google)